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Publicação compartilhada pela Autora Bárbara Gouvêa / @barbaragouveaescritora em 11 de Jun, 2020 às 4:01 PDT
Tudo tem seus princípios. Ele era um deles. No norte gelado, foi o deus que devolveu, ou quase devolveu, Mjölnir ao dono. No oriente antigo, foi Susanoo, quando travesso. Mas gostava mesmo das Américas ao sul, onde era moleque preto, um só pé de vento, o olhar ora astuto, ora também malévolo. Morreu de rir das gentes de carne quanto soterraram seu misticismo e, huah-hahah, descobriram, hahahah, o colapso de função de onda! A Mãe Escuridão minava de novo pra dentro do mundo deles, em bosques solitários e em cantos escuros nas cidades, e estavam todos voltando com ela. Ele agora catava as gentes em metrôs. Nunca saiu de um túnel, após a luz do vagão piscar, e a pessoa do seu lado não estava mais lá? Huah-hahahahaha
Mini conto apresentado no Curso "Escreva Sua História”, de Fabio M. Barreto (www.escrevasuahistoria.com).
Muito bom te reencontrar aqui, me presenteando com sua leitura! Milton agora enfrenta as consequêncis de sua descoberta, ou de sua loucura!
Leia a Parte 1 de "Sob o Olhar da Eternidade"
Leia a Parte 2 de "Sob o Olhar da Eternidade"
Nada, Além de uma Cobaia
Como era de se esperar, foi tudo muito rápido. Não havia sido um segurança que derrubara Rubens, mas um outro homem, sujeito com cara de gringo e de terno alinhado, talvez fosse um segurança sim, mais acima na hierarquia dos seguranças por ali, mas fosse o que fosse, Milton queria que isso se danasse. Steinberg só sabia que o cara vinha com a arma de choque em punho, para o lado dele, passando por cima de Castilho, estatelado no chão. Milton recuava, aterrorizado.
Um celular tocou baixinho, em algum lugar por ali, uma musiquinha conhecida.
Ambos, Steinberg e o sujeito de terno, pararam e ergueram as mãos, as que não estavam ocupadas, em direção ao próprio corpo, instintivamente buscando sacar e atender seus smartphones.
Olhavam um na direção do outro. Na verdade o cara de terno, muito sério, nunca tirou os olhos de Milton, desde que entrou na enfermaria, e este último estava era olhando a perna de Rubens, deitado abaixo do homem de terno, que se encolheu até o joelho quase tocar o queixo do físico. O elegante recém chegado percebeu que Steinberg olhava mais para baixo, e fez questão de que o sujeito encurralado visse a arma sob seu paletó, tocando-a, exibindo-a, enquanto parecia que estava prestes a dizer algo. Foi neste instante que o Doutor Lewroy deu o coice mais forte de sua vida nos testículos de alguém. Os olhos do cara de terno quase pularam fora das órbitas. A arma, por alguma razão, saltou de sob o paletó, e o homem dentro do paletó despencou com estardalhaço sobre a maca onde Milton havia estado desacordado. Steinberg, por puro reflexo, tinha se esquivado com um pequeno salto lateral. Então a maca, o terno, e seu dono, ficaram todos embaralhados e imóveis no chão.
Milton pegou a arma que jazia caída, ali perto, enfiou a pistola em sua pasta à tiracolo junto com o fotômetro, e foi saindo daquela enfermaria, agarrando Rubens, levantando-o, e o arrastando consigo. Não trocaram palavra, nem encontraram resistência dos seguranças, apenas bufaram e praguejaram juntos, enquanto saíam da parte da estação férrea destinada aos funcionários, e, lição aprendida por Milton, que refreou o amigo quando este tentou disparar, caminharam rapidamente até desaparecerem na estação de metrô de superfície anexa. Foi só então que ambos sussurraram entre os dentes, começando por Steinberg:
— Eu já te disse, — havia impaciência em sua voz — um experimento internacional. Complicado de explicar assim. Deu errado, houve uma explosão, Iceberg, todo mundo já estava apagando as luzes quando você apareceu, e bateu de frente justo com a Alice!
— Quem é essa mulher? É gringa?
Rubens ainda estava tonto, e o metrô, também invariavelmente lotado, não ajudava. Enquanto tentava achar um lugar onde se agarrar, enquanto eram arrastados pelos transeuntes para dentro de uma composição que estava prestes a sair em direção ao Centro, o físico disse, seco:
— É. Gringa.
— Tem um português impecável.
Lewroy fez que sim. Estavam ele e Steinberg prensados contra a porta oposta àquela pela qual foram empurrados pela turba que invadiu aquele carro de metrô. Steinberg, subitamente, começou a sentir medo de que as pessoas comprimidas contra ele acabassem disparando a pistola dentro de sua pasta, e tentou levantar a bolsa, sem sucesso, acima da cabeça, enquanto dizia, ainda em um murmúrio feroz:
— Então! Esse experimento tem haver com o tempo? Fala, Cabeça, que merda, talvez nós estivéssemos mortos agora se aquele filho da puta entrasse atirando.
— Não, cara, eu não acho que ele queria te matar. Provavelmente ele queria você vivo, como…
— Como o quê? Cobaia?
O silêncio de Rubens deixou Steinberg sentindo um profundo terror. Ele baixou os olhos, exausto, a cabeça doendo terrivelmente, e disse mais para si mesmo:
— Eu senti. Senti mesmo que algo diferente tinha acontecido comigo, quando ví as ondulações na xícara, as pessoas sentiram, só eu vi.
Com a cabeça como que girando, Milton comprimiu os olhos, forte, tentando respirar fundo, apesar de comprimido entre as pessoas do jeito que estava.
Com um tranco, o metrô parou na estação seguinte, uma lufada de ar entrou, fresca, e Steinberg sentiu um pequeno alívio na pressão à sua volta. Ergueu os olhos.
Estava só.
Viu as porta se fecharem e ficou procurando seu amigo de infância lá fora, imaginando se ele, que já havia dito querer ir embora da cidade, teria saltado na estação, mas não viu ninguém. O metrô disparava rápido, e as últimas pessoas vistas pelo vidro da porta se tornavam quase borrões indistintos, então talvez Rubens tivesse passado bem defronte seus olhos, mas Milton não o reconheceu, talvez… Mas, talvez… Apenas talvez… Ele lembrou da bela Alice, e da Navalha de Occam.
Talvez estivesse ficando louco mesmo.
As estações chegavam e partiam, e Steinberg se sentia cada vez mais exausto, desesperançado. Não sabia onde estava, sabia apenas que estava sob os alicerces da cidade, do Centro, todos os milhares de escritórios, onde se fazia de conta que se era civilizado, um teatro de sombras esperando a escuridão final, tudo isso estava sobre ele agora, que era um minúsculo Atlas, e as estações continuavam a vir e ir, desimportantes.
É, pensava, talvez seja isso, talvez cada um de nós estivesse louco. Isso explicaria muita coisa. Seus dentes apareceram sob os lábios, ele sorriu amargamente.
Foi quando lhe surgiu aquela sensação de estar sendo observado. Levantou a cabeça e seus olhos encontraram os olhos de um homem que ele conhecia de algum lugar… Subitamente se lembrou, o sujeito que iria encontrar com a irmã perdida há vinte anos, e que não sabia chegar ao Centro do Rio, e lhe perguntou se ia na direção certa, um dia, no trem. O camarada estava um pouco distante na massa de gente, e fez um sinal de “o.k.” com o polegar, havia reconhecido Milton, que por sua vez abriu a boca para perguntar pela irmã do sujeito, mas de repente se sentiu oprimido novamente, e se calou. Foram essas coincidências que o deixaram insano, que o fizeram mergulhar nesta angustiante sensação de que o mundo em torno dele havia enlouquecido. O homem que estava olhando para Milton pôs uma das mãos ao lado da boca, em concha, e gritou:
— Obrigado, cara!
Com um sorriso desanimado, Steinberg gritou de volta, em meio ao burburinho da turba enlatada ali:
— Sua irmã? Encontrou?
— Irmã? Que irmã? Sou eu! Do trem, da prova! Olha, consegui fazer aquela prova, tá ligado? Valeu!
Antes do agradecimento final Milton já havia baixado a cabeça de novo, e comprimido os olhos, que lacrimejavam. Um torvelinho de horror girava em seu peito, ele estava com algum problema no cérebro. Só podia. Tudo o que lhe aconteceu foi fantasia. Precisava de um médico, um psiquiatra. Foi quando algo cutucou sua costela, pois uma senhora obesa, que tentava chegar perto da porta de saída, o espremeu mais do que já estava, comprimindo sua pasta tiracolo contra seu flanco.
A arma!
Com um solavanco, o metrô parou em mais um estação, enquanto o campeão de Tetris tentava alcançar a prova de que ele Não havia alucinado.
A arma era real! Quase acotovelando os outros, Miltou conseguiu abrir, com dificuldade a bolsa, mas acabou escancarando-a, tão ansioso estava por algo em que se agarrar para provar a si mesmo que não estava alucinando. Um sujeito alto e careca que estava ombro a ombro com Steinberg viu a pistola pular dentro da pasta, e o dono da pasta agarrar a coronha dela, então o homem calvo começou e empurrar outras pessoas, tentando se afastar, enquanto exclamava:
— Meu Deus, uma arma!
— Senhor!
As vozes se multiplicavam em torno de Milton. Pessoas assustadas se acotovelando e levantando a voz.
— Porra, tem um cara armado!
— Sai!
— Senhor! — Steinberg finalmente reparou que este “senhor” era com ele. — Senhor, solte a arma!
Era uma mulher que tentava se achegar à Milton. Ela vinha empurrando as pessoas o mais cuidadosamente que podia, mas vinha inexoravelmente em direção dele, com ares de poucos amigos e com um uniforme preto de segurança do metrô. Steinberg estava começando a detestar seguranças!
Ele ergueu a arma. Não estava louco! Olhando em volta nervosamente, percebeu que por alguma razão que não poderia ser coincidência, aquele vagão continha mais três seguranças de farda escura que vinham também em sua direção, cercando-o.
Um dos outros seguranças, homem, muito alto e largo como lutadores costumam ser, mantinha uma das mãos baixa, provavelmente já empunhando um cacetete ou coisa pior, enquanto já esticava a outra mão, em garra, na direção de Steinberg, e dizia com voz firme:
— Calma. Calma, amigo.
Milton sabia que iria parar em outra sala sem janelas, e desta vez é pouco provável que escapasse do gringo de terno. Apontou a arma, hora para um, hora para outro dos seguranças! A mulher, a primeira a vir em sua direção, agitou uma das mãos para os colegas pararem, e começou a falar para todos os passageiros:
— Todo mundo deita no chão. — Steinberg não pôde crer no que a segurança disse, e algumas pessoas, no meio daquele mar de gente prens, mas risos. ada, chegaram mesmo a rir. Risos nervosos, mas risos.
Apontando a arma para ela, Milton berrou, trêmulo:
— Você também! Todos vocês! Deitem no chão!
— Camarada… — Começou o segurança fortão, ao que Steinberg foi dizendo, com os olhos dardejando entre os seguranças e com a voz esganiçada de tão nervoso que ele estava:
— Escuta, porra. Eu só quero sair daqui. Essa arma não é minha. Deita na porra do chão, e eu não atiro em ninguém! E vocês primeiro! Os seguranças primeiro!
Todos os seguranças se abaixaram da melhor forma que conseguiram. O metrô havia parado em mais uma estação, e as portas se abriram.
— Agora os outros, os passageiros, por cima deles! Todo mundo se amontoando em cima dos seguranças! Vai! Vai! — Gritou Milton, sendo obedecido por todos, enquanto ele mesmo saltava do vagão e desatava a correr o mais rápido que conseguia.
Passou feito um meteoro pelas catracas, mantendo a pistola em punho mas oculta o melhor possível por sua pasta tiracolo. Subiu em disparada o passadiço curvo e ascendente da Estação Carioca, correu feito louco pela plataforma principal, em direção à saída do edifício Avenida Central, e escalou as escadas rolantes saltando de dois em dois degraus! Assim que saiu da estação do metrô, ele dobrou para esquerda, duas vezes, e, um pouco mais adiante, sem fôlego, parou e respirou fundo até se acalmar um pouco. Por alguma razão não havia ninguém perseguindo ele, devem ter visto que saiu da estação e deixaram o problema para que a polícia na rua se virasse com ele.
Sem perceber, ele havia dado uns poucos passos atrás, enquanto aspirava o ar ensolarado, vigiando se alguém o seguia, e, com uma olhadela para trás de si, para ver se não ia tropeçar em nada, se apoiou em um balcão de algum bar. Voltou a olhar em direção à saída do metrô, pronto para fugir se algum uniforme preto ou algum policial viesse em sua direção.
Foi então que um leve toque no braço o fez olhar para trás, agora mais ostensivamente, e ver a versão muito jovem e loira de dona Glória lhe passando uma fumegante xícara de café.
A Xícara, Novamente
Milton Steinberg se arrepiou todo, como se fosse a peça de porcelana uma víbora! Então ele olhou em torno, só percebendo naquele instante que estava na cafeteria, a mesma de ontem, de antes de ontem, de todos os dias! Olhou de novo para a xícara, pois logo a superfície do café vibraria, captando, com suas ondulações, a explosão distante, e tudo recomeçaria, de novo e de novo.
— O de sempre, senhor Milton. — Falou a atendente, sílaba a sílaba, do mesmo jeito, com o mesmo sorriso gentil.
Steinberg pegou a xícara como se ela fosse venenosa, e lembrou tarde demais que tinha uma arma nas mãos. Quando tentou aparar a xícara com a segunda mão, pois em sua mão trêmula o café ameaçava cair, Milton expôs a arma. A jovem atendente, consequentemente, viu a pistola na outra mão de Steinberg e foi recuando e repetindo sem parar:
— Ai meu Deus, ai meu Deus...
O homem armado arregalou os olhos, fitou a arma em sua mão como se a visse pela primeira vez, embora soubesse claramente como ela tinha ido parar lá, ele… Acreditava… Que havia tomado ela de um cara mal… Comprimiu e abriu os olhos, e com um movimento brusco da cabeça, relanceou em volta novamente, esticando a cara para fora da cafeteria, e foi então que ele viu homens uniformizados! Policiais, carcereiros! Encostados em uma viatura, não muito distantes dali, conversando soturnamente. Milton olhou de volta para a atendente, que, acuada, continuava rogando a Deus e a ele por misericórdia. Com um olhar de súplica, Milton apontou a pistola para a jovem, não para intimidá-la, mas, sem saber o que falar, sentindo-se imensamente envergonhado por assustar a moça. Mas ela entendeu como uma ameaça, se encolheu, se calando, chorando baixinho. Talvez, pensava Steinberg, suando e tremendo, seu cérebro chegando no limite diante de tudo aquilo, mesmo que ele atirasse nela, ela, no dia seguinte, voltaria, ou talvez a versão idosa dela. Milton sentia um nó na garganta, o peito oprimido, talvez tivesse que atirar, atirar em alguém… O sistema estava ali, em torno dele, novamente, novamente e novamente, cada parte agora eternamente corrupta do maldito sistema impelindo seu dedo no gatilho. Quantos Miltons o sistema matava por dia? Talvez fosse isso, tudo aquilo era para eliminá-lo, ele que parecia ser o único a saber que aquelas vinte e quatro horas eram sempre os mesmas. Talvez, de fato, a arma estivesse em suas mãos para Steinberg atirar em si mesmo, antes que fosse arrastado e trancado por toda a eternidade em uma cela (onde quer que ficasse, naquele dia eterno, jazeria para sempre).
— Nãããooo… — Murmurou ele, com o rosto contorcido de agonia. Suas lágrimas escorriam.
Na xícara, o café ondulou, rápida mas delicadamente, no mesmo instante em que Milton percebeu que seus carcereiros vinham correndo em sua direção, e em que ele foi levantando novamente a arma. Outros funcionários da cafeteria, vendo agora a pistola se erguendo, prestes a tirar a vida de alguém, começaram a fugir e gritar. A jovem do outro lado do balcão exibia as mãos espalmadas à frente de si mesma, que ela agitava no ar, como se estivesse negando algo, ou dando adeus à Milton. A boca da jovem, silenciosamente, repetia sem parar “não, não, não”…
E Milton Steinberg atirou. Duas vezes.
Mas não antes de se abaixar. A princípio ficou sem perceber claramente como a ideia lhe veio à cabeça, apenas pôs em prática, e no meio da ação entendeu o que estava fazendo, muito embora, em retrospecto, percebesse que foi, sim, premeditado. Estava lá, a ideia tão junta do agir, que ambas eram quase indistinguíveis.
Milton se abaixou rapidamente, antes que a pequena multidão de clientes e funcionários dispersasse. Os guardas, ele apostava, não tinham gravado sua fisionomia. Então, agachado, atirou para cima, torcendo para não ferir ninguém, e, ato contínuo, arremessou a arma numa reentrância por baixo do balcão. A princípio ele se estatelou no chão, como os outros faziam, por causa do terrível medo de balas perdidas que os moradores da dita cidade maravilhosa tinham, mas quando as pessoas perceberam que não haveria um terceiro tiro, e que começaram a se levantar e fugir, Milton fez o mesmo, mantendo as mãos se agitando no ar, vazias, como se ele fosse mais um transeunte em pânico.
Em um minuto estava andando a passos largos em direção à Cinelândia, e enquanto passava em frente ao que o povo da cidade chamava de uma decepção constante, e que as pessoas lá dentro chamavam de Câmara Municipal do Rio de Janeiro, ele passou por uma moça bonita que, por um segundo, ele achou ser sua vizinha Rheny. Mas não, não era ela, era uma moça muito parecida, mas ruiva, gringa, até um tanto sardenta, que estendeu um smartphone na direção dele, mostrou-lhe uma credencial que ele não conseguiu ler, e fez um gesto amplo, sorrindo, e dizendo algo sobre a copa do mundo, perguntando coisas, como se fosse uma entrevista.
Milton ficou, por um instante, fascinado com a semelhança entre esta mulher estrangeira e a sua Rheny. Que… Coincidência desconcertante…
Com a gringa insistindo, e sem saber como responder melhor, ele fez que não, agitando cabeça e mãos. Deveria estar havendo uma copa do mundo no Brasil, sim, mas ele não tinha tempo para mais pão e circo. A repórter ruiva perseverou na tentativa de que ele a respondesse, e ele, então, apontou para o próprio rosto, sinalizando lágrimas imaginárias, com as pontas dos dedos riscando o rosto a partir de seus olhos para baixo, depois apontou para o Palácio Pedro Ernesto, a Câmara Municipal, e disse:
— Corrupção. Roubalheira. Traição à pátria. Todo o governo, política desmoralizada e falida! Sem alegria. — E, lembrando seu velho professor que havia caído em desgraça, arriscou: — We… We will only be happy in a country of graduates, not in a country of…
Milton não conseguiu atinar de como se dizia “chuteiras” em inglês, então tentou por um momento imitar com os dedos alguém chutando alguma coisa, e, sentindo-se ridículo e amargurado, desvencilhou-se da moça, que ainda tagarelava.
Steinberg se livrou dela e continuou a caminhar ligeiro, para longe dali, apressando o passo ainda mais quando se deu conta de quantos policiais rondavam naquela praça. A vigilância ferrenha devia ser por conta da própria Câmara Municipal, para evitar que a indignação do povo que ela deveria respeitar lhe rendesse umas pedradas. Seus ocupantes, que a profanavam por dentro diuturnamente com sua politicagem corrupta e amadora, acusavam sarcasticamente de vandalismo qualquer revolta popular que a atingisse por fora. Era agoniante para Milton pensar que aqueles inchados vermes lamurientos e devoradores das riquezas da cidade teriam um reinado eterno, e de agora para sempre nada mais poderia ser feito para arrancá-los de lá.
Mais à frente Steinberg se enfiou no primeiro ônibus que conseguiu achar. E enquanto a condução rodava, ele pensava na ruína em que sua vida havia se transformado. Seria preso. Preso eternamente. Isso se não virasse mesmo uma cobaia… Mordeu o lábio inferior até quase se ferir. Nada daquilo tinha que ser real, talvez tudo fosse alucinação. Não tinha certeza mais de nada, só de que o dia se repetia, essa era sua única, vasta, absoluta e sombria certeza.
Sentado em um dos bancos do ônibus, a cabeça apoiada no vidro da janela, seu olhar, úmido, cuja expressão foi mudando, de triste e desesperançado para raivoso e amargurado, subitamente ganhou foco.
Não, não, pensou ele, enxugando as lágrimas, essa não era sua única certeza. Milton tinha também a certeza de saber onde tudo aquilo começou, e onde os infindáveis dias repetidos… Ou sua loucura… Poderiam ter um fim.
Saltou do ônibus e tomou outro, começando a ir em direção à Urca.
Continua na próxima semana, não perca...
Leia a Parte 4, FINAL de "Sob o Olhar da Eternidade"
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Leia Agora o Capítulo 1 deste novo livro:
Desta vez foi Milena quem — assim pareceu a Borges — resmungou um palavrão. Algo como um sonoro “que merda”. Eles estavam espremidos um contra o outro, tentando se mexer no escuro, iluminados apenas pelas luzes de seus trajes, sob um monte daquelas anteparas orgânicas que os protegeram da explosão e da subsequente avalanche. Os dois pareciam marionetes cujos cordões se enlaçaram e arrebentaram, fazendo os bonecos caírem em caos, Ramirez sobre Guilherme. — O que foi que você falou, Milena? — Fui lerda! Eu fui a porcaria de uma lerda! Quase matei nós dois. Estou furiosa comigo! Borges bufou, e respondeu: — Eu e você adivinhamos o que o monstrinho alienígena queria dizer, e nos safamos. Para de se tratar como uma super-heroína. Você é só humana, Milena! Mas, por outro lado, tudo bem, continue cuidando de mim, garota! Milena não respondeu. Borges então disse: — E você não vai mesmo me deixar na mão nunca, não é? Nem que eu merecesse me foder... isso é algum trauma, Ramirez? Perdeu alguma menininha numa investigação, enquanto era policial, e agora quer salvar o mundo? — Deixa pra lá, Guilherme. Após um momento, uma fagulha de temor surgiu na voz do bioquímico quando ele perguntou: — Isso foi algum tipo de... Ordem? Silêncio. E com um resmungo de desconforto, o homem mudou, enfim, a direção da conversa: — Olha, mesmo com as plantas-anteparos, se não fossem nossos trajes a explosão tinha rasgado a gente ao meio, ou pelo menos torcido nosso pescoço, feito galinhas num abatedouro! — Cruzes, que imagem horrível. Eu não consigo achar um ponto de apoio, Guilherme. — Ok, deixa eu ver se consigo virar… peraí… ugh… tira a perna... que porra! ... — Ele girava o máximo que conseguia o próprio tronco. Algo cedeu! Abruptamente eles afundaram mais nos escombros, enquanto tentavam segurar um no outro, a beira do pânico.
Para sorte de Guilherme a nova avalanche parou um segundo antes dele soltar um indigno grito quase histérico de terror, que chegou a lhe subir pela garganta, e se esboçar no rosto do sujeito.
— F-foi outra explosão? — Disse ele, ofegante e em evidente exaspero, logo que tudo se aquietou.
— Não. Nossos auriculares externos, assim como nossos alto-falantes externos, continuam ligados, reparou? Nós teríamos escutado o estrondo, mesmo que distorcido pela atmosfera estranha dos ammons.
Por um instante que pareceu alongar-se dali até se perder na escuridão que os cercava, Borges ficou olhando para o rosto de Ramirez, iluminado pelas luzes internas do capacete. Já ela, por sua vez, lançava a vista para trás, por sobre o próprio ombro, olhos arregalados e boca tensa, como quem espera que algo salte da escuridão sobre suas costas. Guilherme engolia em seco quando, de repente, Milena voltou o rosto para baixo, primeiro para dentro do próprio capacete e seus mostradores internos, e depois para o parceiro, e emendou em um quase sussurro:
— Estamos inclinados aproximadamente vinte e cinco graus, na direção dos nossos pés, a colina toda não ruiu, mas tá cedendo, e ainda estamos escorregando. Bem devagar, mas estamos, e o entulho tá pressionando um pouco mais.
Borges apurou os ouvidos, e lá estava o sutil chiado que os captadores externos de seu capacete lhe traziam. Era o som da placa vegetal, contra a qual estava deitado de costas, raspando nos escombros, enquanto a situação se agravava. Na verdade, de toda parte vinha um ranger abafado, mas forte, que ao sujeito parecia o ranger de dentes imensos, rilhando-se uns nos outros, mastigando-o, afligindo-o.
Com o peito oprimido, provavelmente por conta de seu traje estar decidindo quais músculos artificiais flexionar para protegê-lo da nova situação, Guilherme Borges, ainda mais sem fôlego, resmungou, desconexo, enquanto começava a se contorcer:
— Sair… agh! Porra!
— Sim, Guilherme, — respondeu Milena, a voz surpreendentemente mansa, enquanto olhava-o nos olhos e segurava, da melhor forma que podia, o parceiro no lugar — precisamos sair daqui, antes que a gente afunde de vez, mas com cuidado! Me dá suas mãos, estamos praticamente de frente um pro outro, acho que não vai ser difícil...
Ainda assim, mesmo com a posição favorável, não foi fácil, mas acabaram por conseguir, deram-se as mãos, seus dedos se entrelaçaram, e Milena falou novamente:
— Isso, obrigada. Agora ordene que seu traje enrijeça completamente. É possível fazer isso, eu vi nas memórias implantadas, confere aí e faz isso, por favor, eu preciso de uma base firme pra tirar a gente daqui, e vai ter que ser você, que não tá exatamente firme, mas é o melhor que nós temos.
Sem hesitar Borges fez o que sua parceira pediu, e comandou seu traje para que este enrijecesse. Logo a seguir o sujeito sentiu a pressão da força que a parceira fazia sobre ele. Milena estava usando Guilherme como apoio, para forçar os próprios músculos, e as equivalentes fibras artificiais do traje dela, a empurrarem os sedimentos que estavam acima de si, e sobre ambos. Entre os dentes, enquanto ela fazia toda a força que podia, a jovem mulher foi explicando:
— O traje… me diz… que a saída daqui… está… na direção… das minhas costas.
— Sonar. Você tá usando sonar?
— O giroscópio e o sonar... sim, o traje possui essa tecnologia… nnnng!... — O rosto moreno de Milena ganhando um tom avermelhado nas faces. — Na sua... direção, tudo sólido… um pouco mais pra... cima das... minhas costas… nããão!
Luz, tenebrosa e alienígena, mas ainda assim luz, surgiu de repente, entrando por uma fresta nos escombros, que se abria logo atrás de Ramirez. Após injetar esperança na treva em que eles estavam, a réstia de luz externa se foi, e o ranger dos escombros cresceu. De algum lugar vinha um lamento, como o de metal retorcendo, gritando, cada vez mais perto de se partir em pedaços! Mas logo o som se calou e tudo clareou de novo, e mais intensamente.
Milena soltou uma das mãos de Borges e ficou de joelhos. Às costas dela o homem enxergava fragmentos escuros saltando sobre eles, e a toda volta a luz revelava um tipo de barro esfarelado, e dezenas, centenas, milhares talvez, de placas vegetais com pontas esgarçadas, pequenas e muito grandes, tudo se movendo. Era o que sobrou da vegetação e da camada superior da colina, esfregando-se e raspando-se umas sobre as outras, em um desmoronar lento e inexorável.
— Vem Guilherme, rápido! Precisamos ficar em cima desta placa aqui, olha aqui, esta aqui!
Ramirez apontava e puxava o parceiro, que então reagiu e destravou os músculos artificiais de seu traje. Juntos conseguiram sair de onde estavam e montar em um grande pedaço plano de escombro que descia por sobre o restante. Um momento depois eram os dois agentes que deslizaram e, enfim, se firmaram com as solas de suas botas no chão do ninho ammonita.
Assim que saiu do abraço mortal dos escombros e tocou o piso livre de destroços, Borges deus uns pulinhos e ergueu os braços, em uma quase
dancinha da alegria
, contendo uns gritos extasiados. Depois fingiu estar alongando músculos doloridos:
— Ah, esses braceletes tinham que nos manter inteiros! Tô todo dormente! Essas merdas inúteis será que estragaram?
Ao contrário do colega, assim que tocou o chão Ramirez se manteve agachada. Com o rosto se movendo de um lado ao outro, seus olhos transformados em riscas azuis. A agente rastreava a escuridão.
— Altera o modo de visão do seu capacete para infravermelho. — Ela sussurrou para o companheiro, em raro tom autoritário — E desativa os falantes externos.
A treva total de dentro dos escombros fez parecer aos humanos, em um primeiro momento, que o lado de fora era muito mais luminoso, mas na verdade o entorno dos dois humanos era uma mistura daquele tom vermelho escuro soturno e nevoento da atmosfera dos ammons. E a luminosidade estava reduzindo ainda mais. Aos poucos tomava conta do lugar um negrume profundo, embora não impenetrável, com nuances arroxeadas, e que parecia vir escorrendo do longínquo teto da caverna que é o interior da nave ammonita. Essa penumbra fosca e lúgubre parecia mais que a ausência de luz, era como se fosse algo real, feito óleo queimado e pegajoso. Mas não era. Aquilo era a noite viscosa, úmida e glacial do ninho ammon, turva e aparentemente solitária até onde a vista alcançava. No entanto, assim que mudou os receptores visuais de seu capacete para o infravermelho, conforme sua parceira lhe disse que fizesse, Guilherme Borges se surpreendeu!
Havia como que pirilampos incandescentes para todo lado, feito riscos de luz e estrelas cadentes cruzando o ar, e uma miríade de outras formas vagamente fluorescentes, que ora surgiam, ora eram eclipsadas, oscilando por todo lado. Mesmo ele, sujeito pragmático, especialmente quando sua vida estava em risco, não pôde deixar de ver certa beleza naquelas riscas serpenteantes que pareciam ficar fosforescentes em infravermelho. Bem perto deles, diversos filetes verticais de luz esmaecida vibravam, coleantes. Essas listras de fogo-fátuo seguiam padrões, que se tornavam mais perceptíveis conforme se olhava para eles, como se brilhassem, um conjunto aqui, outro acolá, cada grupo parecendo estar aderido em diversas superfícies alongadas.
Normalmente Borges atiraria primeiro, mas será que algo bonito assim tinha que ser realmente perigoso?
Talvez por perceber a expressão dos olhos de Guilherme, ou talvez por adivinhar mesmo seus pensamentos, por causa de alguma dessas intuições que as mulheres têm, Ramirez falou, pelo rádio dos trajes:
— Estamos em perigo, cercados! Está mais escuro, deve ser noite ou estão enchendo a região de algum gás escuro. Mas esses riscos serpenteantes, eu tenho certeza, são ammons. Eu não sei te explicar como eu sei, mas eu sei. Esses caras não são nossos amigos, Guilherme.
Próximos o suficiente para serem vistos com luz normal, e estando Borges agora atento aos mínimos movimentos do inimigo, o agente logo fixou olhar em um daqueles seres em forma de verme, que trazia consigo uma daquelas tabuletas deles, igual àquela que o primeiro ammon começou a usar para comunicar o que queria dizer aos humanos.
— O tablet, Milena. — Disse Borges, indicando com um movimento dos olhos o aparelho que um dos ammons carregava. — Posso inferir a língua deles com aquilo.
Dado o tamanho e os vapores sulfurosos que aqueles valentões que os estavam cercando soltavam agora, a resposta de Milena foi:
— Esquece, Guilherme, a situação não está pra papo...
A prioridade agora era, prosaicamente, ele e Milena saírem dali vivos. Entendido.
— Venha, recue. — Depois de empurrar o parceiro mais para trás de si, Milena estava, Borges percebeu, plantando a postura de base que costumava tomar quando estava prestes a partir pra porrada. Foi quando os terrestres viram os ammon-v, as colossais criaturas que acolhiam os ammons-a, aqueles mais inteligentes e vermiformes, dentro de si. Ammon, sem a letra final, era o nome usado genericamente para descrever um ou ambos os tipos.
Boquiabertos, os humanos recebiam dentro de seus capacetes a informação de que aqueles vultos colossais, cujos corpos quase humanoides e imensos rasgavam agora o nevoeiro, feito montanhas com dezenas de metros de altura brotando e dissipando parte da escuridão. Os ammon-v estavam há cerca de trezentos metros de distância e se aproximando, circulando pela área onde ocorrera a explosão. Alguns dos monstros gigantes pareciam agarrar coisas no chão e enfiá-las nas bocarras.
— Caralhôôô... p-precisamos sair daqui... — Murmurou o homem da Terra, e então, voltando-se para sua companheira, gritou: — Milena!
O primeiro dos ammons-a que cercavam os terrestres atacou, atirando-se sobre os humanos. Mas Milena simplesmente o empurrou para longe com uma pancada dada com seu ombro que atingiu, certeira, o flanco do alienígena agressor. Vendo o companheiro rolar pelo chão, se contorcendo, os outros ammons pareceram, aos olhos de Guilherme Borges, gritar por suas fendas de sintetização de compostos químicos, borbulhando líquidos rubros e alaranjados, e evaporando rolos espessos e cinzentos de fumaça por estes orifícios.
Aquele ammon que possuía o tablet alienígena estava muito mais calmo, e exibiu o aparelho que carregava, erguendo-o no ar, e nele havia a representação gráfica de dois bonecos humanoides que, submissos, deitavam-se no chão, repetidas vezes, e eram cercados pelo que só poderia ser um bando de ammons.
— Nem pensar, bonitão! — Disse Guilherme. — Não me entrego fácil assim não.
Sem aviso, um dos ammons mais próximo cuspiu sobre os agentes um líquido que se espalhou como uma névoa fina e grudenta, e encharcou os terrestres. Imediatamente sensores e monitores dos trajes dos humanos detectaram e informaram que aquilo era um ácido muito potente. Dentro do capacete de ambos os agentes alarmes piscavam, indicando que se tomassem mais algumas rajadas daquela substância, a integridade das armaduras deles poderia ser comprometida.
Milena, como de hábito, reagiu prontamente, e partiu para cima daquele ammon que cuspiu o ácido, chutando-o com destreza e com tamanha força, que uma de suas fendas, que estava fechada, provavelmente manipulando mais ácido, estourou como um cano de vapor rompido. O ammon, engolindo o próprio veneno, desabou ao chão, entrando em convulsões, e com bolhas se formando e estourando em toda a sua grossa pele. Isso abriu uma brecha na fileira dos ammons agressores, que recuaram, aparentando pavor instintivo diante da violência do ataque da humana.
— Vem, Borges! Corre! Corre! Corre!
Guilherme Borges disparou atrás de Milena, mas, em um arroubo de coragem que nem ele mesmo entendeu, voltou atrás alguns passos e arrancou a tabuleta do ammon que estava com ela, com um puxão tão forte (mais por conta dos músculos artificiais do traje, evidentemente, do que pela um tanto franzina compleição física do bioquímico) que quase arrancou as dobras da parte do corpo onde o alienígena segurava o aparelho de comunicação. No entanto, este movimento de captura da tabuleta não lhe saiu de graça, e Borges viu um clarão e sentiu uma pressão terrível, quando algum tipo de granada de efeito moral ammonita explodiu perto dele. Seu traje resistiu, mas, devido à concussão desorientadora, Guilherme não conseguia fixar nada, e bamboleava, terrivelmente tonto. Seus olhos, duas próteses visuais artificiais muito sofisticadas, estavam captando o ambiente sem nenhuma distorção, elas não ficavam ofuscadas em praticamente nenhuma hipótese, mas o cérebro do homem, chacoalhado pela explosão, estava truncando seus sinais nervosos, e o agente terrestre rodava nos eixos, como um foguete sem giroscópio. Alguém agarrou Borges e o puxou com força. Ele, reagindo muito mais instintivamente do que racionalmente, socava o ar repetidas vezes, com a mão livre — a outra ainda agarrava obstinadamente a tabuleta alienígena —, até que a desorientação diminuiu o suficiente para Guilherme perceber que a voz de Milena dizia, dentro do seu capacete:
— Calma. Sou eu! Sou eu, Milena! Vem, corre!
E novamente Borges disparou atrás de sua companheira de missão, que o puxava. Ele chacoalhava a cabeça, enquanto seus pés faziam o possível para acompanhar o ritmo de Ramirez, que, a certa altura, empurrou o homem à frente e voltou atrás. Quando recobrou o controle, Guilherme viu Ramirez mais atrás, uns três metros antes, atracada de novo com os ammons. Os olhos do agente, já naturalmente grandes, se arregalaram. Eram muitos alienígenas contra uma só humana!
— Bracelete! — Bradou Guilherme ao sistema que carregava no pulso, cujo processador, além de potente, era dotado de inteligência, embora não de autoconsciência. No interior de seu capacete um sinal visual indicou que seu bracelete estava ouvindo, e, paralelamente a voz monocórdia do mesmo sistema disse, simplesmente:
— Sim, agente Borges?
— Quais os pontos frágeis da fisiologia ammonita? Fala rápido!
— Desconhecido. Está incapacitado de acessar seus implantes de memória?
— ... Estou, porra. Qual o calcanhar de Aquiles deles? Algum troço que fira ou irrite muito esses merdas?
— Contusões parecem os ferir normalmente, quase como a um humano em seu habitat normal.
— Veneno! Veneno? Pode sintetizar algum catalisador… não, claro que não. Espere. Queimar! Você pode fazer o hidrogênio desta atmosfera incendiar? Aqui tem muito hidrogênio! Pode gerar o oxidante, bracelete?
Ali perto Ramirez desviou de uma nova rajada de ácido, agarrou um ammon e o arremessou sobre os outros, bem a tempo de se agachar, curvada sobre si mesma, feito uma concha se fechando, e ser atingida por outra bomba de concussão, que Borges viu sendo cuspida por um dos outros ammons.
— Liberando oxigênio do seu tanque, e depois provocando a explosão, podemos queimar parte do hidrogênio pressurizado desta atmosfera.
Borges desviou o olhar do próprio antebraço, onde estava o bracelete, até a cena onde sua parceira se ergueu e voltou a brigar ferozmente com os ammons, mas era visível que, pouco a pouco, Milena perdia terreno, e logo seria dominada, pois eles eram vários ammons atacando-a, e a cada instante pareciam chegar mais e mais deles. E, pior, quando pegassem Ramirez, viriam atrás de Guilherme!
— Ah, sem chance! — Disse ele em voz alta, respondendo à sua própria conclusão. E, rapidamente, para o próprio pulso, questionou: — Bracelete, nossos trajes podem aguentar a combustão?
Após uma fração de segundo, que a VRP do bracelete levou fazendo intrincados cálculos cujas equações zuniram em uma janela de dados projetada dentro do capacete do agente, e durante o qual, certamente, decisões táticas foram consideradas, sobre se o percentual de risco da ação solicitada era válido para se completar a atual missão dos agentes, veio a resposta:
— Uma liberação controlada de cerca de três vírgula setenta e quatro por cento do oxigênio concentrado no gel do tanque do seu traje deve ocasionar uma detonação controlada, suportável por suas blindagens.
— Os ammons se ferram? O oxigênio que me resta vai me manter vivo por quanto tempo?
A inteligência do bracelete de Borges entendeu facilmente quais eram as duas perguntas, pois respondeu de pronto:
— Os ammons próximos devem sofrer ferimentos consideráveis. O oxigênio restante ainda deve permitir a sobrevivência do usuário por pouco menos de uma semana da Terra, se a média intensa de consumo continuar a mesma.
Era uma margem muito boa. Guilherme já corria em direção à Milena, enquanto ordenava ao seu bracelete:
— Comece a liberar o oxigênio! Provoque a ignição quando eu gritar… sei lá… queimar! Não, caralho, queimar não. Porra, o que?... Já sei, foda-se, ouviu bracelete? Assim que eu gritar foda-se!
— Iniciando liberação do oxigênio. Palavra-chave ignitora: foda-se. — foi a resposta, sem nenhuma entonação emocional, do bracelete de Borges.
E assim Guilherme passou correndo entre Milena e seus agressores, vendo apenas os olhos cor de anil arregalados da mulher, que não deve ter entendido o que Borges fazia ali, correndo feito um garoto desajeitado, gritando coisas desconexas, bem no meio da pancadaria. Ele deu a volta, fintando o melhor que pôde os ammons, feito um jogador de futebol americano mais sortudo do que realmente competente, livrando-se de dois, três, e sendo derrubado pelo quarto dos alienígenas, que se ergueu sobre o terrestre como um urso enorme prestes a esmagar o humano. Mas, para piorar, este urso infernal respingava ácido.
— Guilherme! — Gritou Milena, apavorada, pois estava longe demais para acudi-lo.
— Fo-da-seeee! — Evidentemente que não era preciso gritar, muito menos enfatizar a palavra silabicamente, mas ele gritou assim mesmo, deste jeito, e tão alto que sua cabeça, seus dentes, e até mesmo os seus olhos pareceram vibrar.
Em resposta, quase imediatamente, do ponto onde o bracelete de Borges emergia do punho do seu traje, um diminuto pedaço deste mesmo bracelete se projetou, alongando-se, e emitiu uma pequenina fagulha. Uma serpente de fogo surgiu em um instante, e tudo explodiu em luz e chamas, parecendo a quem estava ali próximo que o mundo inteiro havia sido convertido em labaredas radiantes!
Mas como o oxidante essencial daquela ignição era o oxigênio, e ele se esgotou rapidamente, a combustão também foi razoavelmente curta, embora sua temperatura tenha sido bastante alta.
Logo depois da explosão, os terrestres se viram no meio de cinco ou seis ammons, que estavam com grandes trechos de suas peles enegrecidos e quebradiços, e que se debatiam no chão, ferindo-se ainda mais. O restante dos atacantes alienígenas corria para longe. Milena estava de pé e girando lentamente, enquanto murmurava, com olhos tristonhos e a voz embargada:
— Oh, estão feridos… estão agonizando… não sei o que fazer… estão sofrendo, coitados… o que eu faço?... Estão sofrendo... agonizando...
— Oxigênio, eu explodi tudo! Corre, Milena, porra! Pra merda esses bichos!
E desta vez foi ela quem obedeceu, tomando ligeiro susto a princípio, ao ser subitamente puxada pelo parceiro, mas agindo logo a seguir, sem titubear, e correndo atrás de Borges.
Juntos, os humanos dispararam nevoeiro adentro, enxergando apenas através dos sonares de seus trajes. Eles nunca correram de fato assim, quase às cegas, apenas com os capacetes desenhando o melhor possível — visto a alta velocidade com que o aparelho tinha que produzir tais imagens — os obstáculos, encobertos pelo espesso nevoeiro da atmosfera ammonita, no desconhecido e potencialmente fatal caminho à frente. Mais uma vez, eram as memórias de treinamento implantadas em seus cérebros que lhes vinham em socorro. Eles se recordavam de simular em treinamento aquela situação extrema. Rememoravam tais lembranças quando ativamente solicitadas, ou quando a adrenalina inundava seus corpos, o que era exatamente o caso naquele instante.
Correram com o sangue trovejando nas veias, sem olhar para trás, olhos arregalados, mas sem conseguir ver, de fato, por onde corriam. Uma interminável disparada para o que poderia ser a salvação ou para o abraço trevoso de seus inimigos, ou de outros terrores ainda desconhecidos e ainda piores naquele mundo sombrio. E como que para sublinhar essa agonia, sem o menor aviso, dentro de toda aquela escuridão, Milena e Borges foram engolidos por um tipo de mata densa. Grande quantidade de chicotes, enraizados no chão e estendendo suas longas e delgadas hastes cinzento-arroxeadas para o alto, começou a chibatar os terrestres por todos os lados, quase os fazendo tropeçar.
Mas, passado o susto inicial, quando pararam de correr e chegaram mesmo a retroceder alguns passos, os humanos começaram a avaliar o lugar que os cercava agora. As folhas do mato eram longas, quase lhes chegando à altura das cabeças, e eram grossas, mas também relativamente largas, e bordejadas de cílios que se agitavam como pequeninas larvas. Breves varreduras com os sensores de seus trajes, e lançamentos fortuitos de seixos e gravetos em torno de si, mais para o meio daquilo que parecia ser grama alta, foi o máximo de testes que conseguiram fazer. De resto, concordaram em uma breve conversa, era torcer para que o matagal alienígena fosse seguro, não havia como procurar outro esconderijo.
Entraram juntos, e ao se abrigarem mais lá para dentro da exótica vegetação, agachados sob a cobertura que ela lhes proporcionava, descobriram as estruturas. Eram montículos perfeitamente organizados de coisas. A maioria fragmentos sortidos da sociedade humana, tais como bolas de bilhar, dados de jogo, tablets de pulso, bijuterias, talheres quebrados, tubos de cremes vazios, e etc.
— Que aparelho é este? — Fez Milena, apontando, sem tocar, para um pedaço retangular de algo composto por plástico, metal, e um monte de corrosão.
— Um tipo de tablet do passado. Ah, tá sujo, arranhado, cheio de bagulho em cima, mas você já deve ter visto em filmes bem antigos, não? — Respondeu Borges, entre os dentes. — Creio que se chamava smartphone, mas o negócio era tão esperto quanto uma ameba amestrada, na verdade.
— É mesmo, Guilherme, verdade, tinha esquecido, um smartphone, olha só... ainda mal sonhavam com o amplo uso da optotrônica e memluztores nesta época. Olha lá, mais montes de coisas! Tem desses... totens em todos os lugares, espalhados pelo mato.
— Totens. Bom nome. Ok. Vamos dar uma olhada naquele lá.
Acabaram encontrando outros totens, em menor número se comparados com os montículos de objetos terrestres, que exibiam apetrechos ininteligíveis. A maioria parecendo já muito gasta pelo tempo também. Os terrestres foram investigar um desses amontoados peculiares.
— Aposto, Milena, que isso vem de outras culturas, sem ser a nossa. O que será isso ali, ó? Tá vendo? Parece uma série de recipientes de vidro que brotaram uns dentro dos outros. Vê as enervações? Será uma garrafa de uísque de outro mundo? Ou algum tipo de flor inflada e cristalizada? Um crânio? Um tipo de casco ou unha bulbosa? Fascinante, né não? Bom a gente não tocar em porra nenhuma dessas merdas...
Milena torceu o nariz, mas aquiesceu, silenciosa e parecendo um tanto assombrada, olhando em volta. Ambos resolveram explorar um pouco mais além, e confirmaram que os totens ammonitas, de fato, se espalhavam por todo o matagal alienígena, montículos de histórias humanas ou não, imersos entre um mar dessa grama estranha e alta. Guilherme Borges continuou:
— Reparou uma certa regularidade nesses totens? Isso aqui deve ser algum tipo de arquivo de referência, acho, para pequenos objetos talvez (imagina o arquivo pra coisas maiores!). Vai ver que esse matagal é alguma base de dados, ou mostruário.
— Acha que isso pode nos comprometer? — Quis saber Ramirez, atenta agora. — O próprio matagal pode nos sentir, ou alguma coisa assim, e nos expor aos ammons?
— Até agora tudo bem. Vamos torcer para que isso aqui seja um tipo de arquivo morto.
Voltavam para próximo do ponto onde eles entraram no matagal, quando Milena os fez parar, dizendo:
— Não temos localização por satélite aqui, só temos um o traje do outro como referência, então até podemos nos perder, mas eu posso apostar que aquele monte ali é onde encontramos o smartphone... E esse totem, que estava sozinho, não tá mais...
Guilherme, que vinha logo atrás da mulher, e começava a se entreter com o tablet que tirou do ammon, levantou a vista quando a parceira o parou, e estremeceu com o que viu, recuando um passo, arregalando os olhos, e dizendo:
— Porra! Não, esse troço não tava aí!
Ao lado do monte de coisas humanas, havia um obelisco de ébano, com uns dois ou três metros de altura, Borges nem atinou usar os sensores de seu traje para lhe dar medida exata. Milena, no entanto, ergueu o pulso onde podia manipular diretamente o teclado projetado de seu bracelete de dados, e iniciou uma sondagem. Após um momento, balançou a cabeça, e murmurou:
— Os feixes dos sensores encontram esse negócio, mas parece que resvalam nele, não dão resultado positivo nem para a distância que ele está de nós.
— Mas... ele tá bem ali, na nossa frente.
— Eu sei, mas nossos sensores não concordam com nossos olhos.
Aproximaram-se cautelosamente do obelisco, e de fato conseguiram chegar rapidamente perto de algo que seus sensores não conseguiam definir bem se estava dois metros à frente, ou adiante alguns quilômetros.
Os agentes rodearam o objeto, e em vários momentos relataram, um ao outro, sensações de vertigem ao olharem para as superfícies laterais do obelisco a partir das suas arestas.
— Eu vejo que a superfície é relativamente curta, uns cinquenta centímetros, talvez. — Murmurava Guilherme. — Mas meu cérebro insiste em me fazer sentir como se eu estivesse olhando a beira de um abismo fundo pra caralho... que merda...
Milena fez menção de tocar uma das faces do obelisco, mas Borges a impediu, ao que ela foi dizendo:
— Calma, eu não pretendia tocar. Queria apenas sentir se há algum tipo de aura, ou força em torno dele, que deixe a gente enjoado assim.
— Basta não olhar pelos cantos dele. Tem que encarar esse troço de frente, e pronto. Pelo menos nossos sensores indicam que não há radiação letal aqui.
Depois de atirar pedrinhas no obelisco, tocá-lo com hastes da grama, e aspergir um pouco do granulado solo daquele lugar nele, finalmente os dois tocaram, com suas mãos enluvadas, naquela superfície absolutamente negra, e deslizaram os dedos sobre ela.
— É como tocar... vidro... vidro ligeiramente amolecido... — disse Borges, buscando, uma a uma, as palavras.
— Pra mim, apesar de estar usando luvas agora, me lembra a sensação de tocar a pele de uma orca, quando ela nada com intensidade, com fúria.
Guilherme Borges ficou olhando para a parceira, a mão ainda tocando o objeto alienígena, e depois de um momento, ele sorriu, e disse:
— Tá de sacanagem, Milena?
— Como?
— Você já tocou numa baleia assassina furiosa?
A mulher sorriu, torceu o nariz por um segundo, seus olhos azuis luzindo em contraste com sua pele de bronze. Enfim retrucou, simplesmente:
— Islândia. E a raiva não era por minha causa.
Ficaram ali, observando o objeto por mais algum tempo, mas, apesar dos totens estranhos e perturbadores, e do recém-descoberto obelisco enigmático, nada de verdadeiramente ruim aconteceu aos humanos, enquanto se escondiam naquele matagal, e eles puderam, enfim, encontrar uma pequena e bem camuflada clareira, e recuperar o fôlego ali.
Minutos depois de se refugiarem nesta clareira, Guilherme, que havia se sentado e recomeçado a mexer na tabuleta de dados ammonita, percebeu que Milena estava cabisbaixa. Não havia como ficar de pé sem aparecer acima do matagal, então Ramirez estava de cócoras. Seus olhos estavam fitos no chão, como se buscasse ouvir algo distante, ou como se estivesse perdida em reminiscências.
Apesar de soltar um resmungo contrafeito, Borges se levantou e, também se movendo abaixado, foi até Milena, pegou a parceira gentilmente pelo pulso, e disse:
— Obrigado por nos manter vivos mais uma vez, Ramirez.
Ela ergueu seu rosto de traços delicados, com seus grandes olhos brilhando, úmidos e respondeu:
— Você nos salvou, usando seu oxigênio para explodir eles. Eu que tenho que te agradecer, obrigada. E... obrigada por tentar me animar, mas… eu queria ser melhor em curar do que em ferir, Guilherme. Queria muito isso.
Ele ficou olhando para ela longamente. Milena, ainda transpirando tristeza, se afastou um pouco e se ergueu, furtiva, espiando por sobre o mato. E entrou nele, dizendo:
— Vou até a borda do matagal, volto já.
E, depois de um tempo, Borges disse, para si mesmo:
— Meu oxigênio... — E o agente terrestre sentiu, de repente, um medo profundo e inexplicável. Por um instante fugaz Guilherme soube que aquilo que fez, queimando seu oxigênio, iria pôr ideias na cabeça de sua parceira, que era propensa a heroísmos. Ideias muito perigosas. Mas como vieram, aqueles pensamentos subitamente se foram. Sobrando apenas uma vaga angústia.
Continua...
VRP: (Virtual Reality People): Toda e qualquer Inteligência Artificial (I.A.), pois todas são baseadas em um mesmo sistema algorítmico, conhecido como Vínculo Matriz-Conceito de Maia (Maia - 2010), ou Algoritmo de Maia. Uma VRP é uma "pessoa sintética", que pode ter as mesmas capacidades intelectuais de um humano, ou ser muito superior, intelectualmente, a este. Uma VRP ainda pode existir somente como um software dentro da VRnet, ou ter toda uma estrutura de hardware, que pode ser um poderoso computador quântico ou um optotrônico EpChip (Encefaloprocessadores Matriciais). Por força de Lei Constitucional Mundial, toda VRP deve ter seus algoritmos (o essencial Algoritmo de Maia e todos os paralelos) dependentes do Algoritmo Ozimov, que é uma técnica que consiste em um algoritmo de aprendizagem de máquina, cuja função abstracional está focada na identificação de contexto de situações decisórias da Inteligência Artificial na qual está implantado, sopesando tais decisões de acordo com três critérios a saber: quanto bem causa, quanto mal causa, e quanta justiça gera. Como os instintos mais básicos e inescapáveis do ser humano, numa VRP o Algoritmo Ozimov está na raiz de cada decisão e recorre a um banco de dados de situações éticas básico, mas amplo, que, no entanto, vai crescendo de acordo com a vivência da máquina. Ou seja, a máquina não toma nenhuma atitude sem que esta passe primeiro pelo Algoritmo Ozimov (isso está garantido tanto por estruturas de software quando de hardware dedicado ou não, e está previsto em cláusula da Constituição Mundial como de uso obrigatório, sendo crime gravíssimo a fabricação de robôs sem essa salvaguarda. Vale notar que, não raro, a Agência Código 7 usa VRPs de vários tipos, de robôs a softwares, sem ou com uma versão o Algoritmo Ozimov modificada, que permite, por exemplo, que seus robôs de segurança portem armas mortais e façam uso delas), e quanto mais atitudes éticas a máquina sopesa e compreende, mais refinado fica o algoritmo. O nome do algoritmo é a pronúncia do sobrenome em russo do bioquímico e escritor de ficção científica Isaac Asimov, criador de contos e romances protagonizados por robôs que seguiam fundamentalmente as Leis da Robótica [http://pt.wikipedia.org/wiki/Leis_da_Robótica], de sua autoria e que serviram de inspiração para toda uma vertente da engenharia robótica voltada a criação de Inteligências Artificiais dotadas de comportamento ético, culminando no pequeno e rudimentar robô chamado de Nao, da Aldebaran Robotics (http://www.aldebaran-robotics.com/), no ano de 2010, que foi a primeira máquina dotada de princípios éticos [Revista Scientific American Brasil, Ano 8, Número 102, Novembro de 2010], e, em meados do século seguinte, na criação e aprimoramento do Algoritmo Ozimov e de sua técnica de aplicação.
Optotrônica: no universo C7i os aparelhos como computadores e sistemas em geral não são mais baseados em eletrônica, ou seja, em semicondutores elétricos, mas em sua integralidade a tecnologia de informação de C7i é composta por equipamentos semicondutores de luz. Assim como a eletrônica de um aparelho são seus componentes semicondutores de elétrons, a optotrônica de um aparelho em C7i são seus componentes semicondutores de luz. Já a optoeletrônica, como a conhecemos hoje e que é ancestral da optotrônica de C7i, é o estudo e aplicação de aparelhos eletrônicos que fornecem, detectam e controlam luz, normalmente considerada um subcampo da fotônica. Nesse contexto, luz frequentemente inclui formas invisíveis de radiação como raios gama, raios-X, ultravioleta e infravermelho, em adição à luz visível. Aparelhos optoeletrônicos são transdutores “elétrico para ótico” ou “ótico para elétrico”, ou instrumentos que usam tais aparelhos em sua operação. Eletro-óptica é frequentemente usada incorretamente como sinônimo, mas é, de fato, um braço mais abrangente da física que lida com todas interações entre luz e campos elétricos, quer eles formem ou não parte de um aparelho eletrônico. A optoeletrônica é baseada em efeitos quânticos da luz em materiais semicondutores, às vezes na presença de campos elétricos.
Memluztores: ou memlightstores, em C7i são componentes optotrônicos equivalentes aos atuais componentes eletrônicos chamados memristores. Um memristor seria o quarto componente eletrônico fundamental - ao lado do resistor, do capacitor e do indutor - e teria propriedades que não poderiam ser duplicadas por nenhuma combinação desses três outros componentes. A propriedade mais importante desse componente é a "memresistência", o que na prática significa que o memristor é uma memória resistiva, que não perde os dados quando a energia é desligada. Um memluztor tem capacidade semelhante, ou seja, permitem que unidades de processamento (um computador quântico, um EpChip, etc.) ou de armazenamento (botdrives, holobubbles, etc.) sejam desligados de sua fonte de energia sem perder seus conteúdos de memória. O processo envolve nanofotônica e deriva da cristalização de fótons.
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If you’ve spent much time stargazing, you may have noticed that while most stars look white, some are reddish or bluish. Their colors are more than just pretty – they tell us how hot the stars are. Studying their light in greater detail can tell us even more about what they’re like, including whether they have planets. Two women, Williamina Fleming and Annie Jump Cannon, created the system for classifying stars that we use today, and we’re building on their work to map out the universe.
By splitting starlight into spectra – detailed color patterns that often feature lots of dark lines – using a prism, astronomers can figure out a star’s temperature, how long it will burn, how massive it is, and even how big its habitable zone is. Our Sun’s spectrum looks like this:
Astronomers use spectra to categorize stars. Starting at the hottest and most massive, the star classes are O, B, A, F, G (like our Sun), K, M. Sounds like cosmic alphabet soup! But the letters aren’t just random – they largely stem from the work of two famous female astronomers.
Williamina Fleming, who worked as one of the famous “human computers” at the Harvard College Observatory starting in 1879, came up with a way to classify stars into 17 different types (categorized alphabetically A-Q) based on how strong the dark lines in their spectra were. She eventually classified more than 10,000 stars and discovered hundreds of cosmic objects!
That was back before they knew what caused the dark lines in spectra. Soon astronomers discovered that they’re linked to a star’s temperature. Using this newfound knowledge, Annie Jump Cannon – one of Fleming’s protégés – rearranged and simplified stellar classification to include just seven categories (O, B, A, F, G, K, M), ordered from highest to lowest temperature. She also classified more than 350,000 stars!
Type O stars are both the hottest and most massive in the new classification system. These giants can be a thousand times bigger than the Sun! Their lifespans are also around 1,000 times shorter than our Sun’s. They burn through their fuel so fast that they only live for around 10 million years. That’s part of the reason they only make up a tiny fraction of all the stars in the galaxy – they don’t stick around for very long.
As we move down the list from O to M, stars become progressively smaller, cooler, redder, and more common. Their habitable zones also shrink because the stars aren’t putting out as much energy. The plus side is that the tiniest stars can live for a really long time – around 100 billion years – because they burn through their fuel so slowly.
Astronomers can also learn about exoplanets – worlds that orbit other stars – by studying starlight. When a planet crosses in front of its host star, different kinds of molecules in the planet’s atmosphere absorb certain wavelengths of light.
By spreading the star’s light into a spectrum, astronomers can see which wavelengths have been absorbed to determine the exoplanet atmosphere’s chemical makeup. Our James Webb Space Telescope will use this method to try to find and study atmospheres around Earth-sized exoplanets – something that has never been done before.
Our upcoming Nancy Grace Roman Space Telescope will study the spectra from entire galaxies to build a 3D map of the cosmos. As light travels through our expanding universe, it stretches and its spectral lines shift toward longer, redder wavelengths. The longer light travels before reaching us, the redder it becomes. Roman will be able to see so far back that we could glimpse some of the first stars and galaxies that ever formed.
Learn more about how Roman will study the cosmos in our other posts:
Roman’s Family Portrait of Millions of Galaxies
New Rose-Colored Glasses for Roman
How Gravity Warps Light
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"Mônica é totalmente poderosa e nas palavras de Beyoncé... Ela é uma 'Grown Woman', não precisa dar satisfações e segue suas próprias ideias."_ Sayd Alcantara, Friendzone.
"Gosto de personagens desafiadores, sarcásticos e insubordinados. Tudo o que encontrei em Mônica."_ Flávia Leles, Literatura Informal.
"Além da leitura ser envolvente, gostei muito das críticas feitas pelo autor à atual política do Brasil, em razão da corrupção."_ Maisanara, Viajando Pelas Páginas.
"Será que ali poderia existir amor (entre um humano 'comum' e uma Criatura da Escuridão)? Só lendo mesmo para vocês descobrirem isso!"_ Kelly Cominoti, Aventuras na Leitura.
"Mônica é abusadamente sexy."_ Telma Myrbach, Surtos Literários.
"O autor Wagner Ribeiro, já me conquistou criando uma personagem tão marcante como Mônica."_ Victor Tadeu, Desencaixados.
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— Merda! Merda, Mônica, por que fez aquilo?
A jovem mulher abriu os grandes, belos e expressivos olhos castanho-escuros, que a um momento estavam quase fechados, e sorriu francamente, ar de moleca zombeteira, colocando o indicador no lábio inferior e fazendo trejeito de geniazinha de antigo seriado de TV, enquanto pensava por um momento e então dizia, faceira:
— Impulso! Compulsão! — Mas o que ela queria mesmo com o sorriso brejeiro era que ele visse bem seus caninos, e encarasse a verdadeira natureza dela. Dane-se se ele sentia nojo, ela era o que ela era, e pronto. Aquele crápula arrogante haveria de engolir tudo o que Mônica significava, quisesse ou não.
O Agente Investigador Eduardo Araújo Weltman olhou para ela com desprezo, que ela devolveu acrescido de deboche e ironia, olhando-o de lado e dizendo para ele:
— Eu fiz meu trabalho, Edy. E você, pode dizer que fez o seu?
— Monstro… — Disse ele, entre dentes.
— Então o que vai fazer lá dentro diante da Comissão? Se fosse me crucificar, teria trazido consigo a gravação. Cadê a gravação?
Ele estreitou os olhos, e respirou profundamente, lentamente. Era um homem charmoso, de traços fortes e masculinos, temperado por um sutil ar sensual de atrevimento, e tinha o que as mulheres chamavam de um belo sorriso, e onde as mais atentas viam uma boca carnuda, convidativa. A cereja do bolo, segundo Mônica, era que Weltman era, no fundo, tímido.
Naquele momento, no entanto, ele estava sério, carrancudo. Parecia tentar dizer algo que não conseguia expressar. Ficaram se encarando, a meio metro um do outro, sentados na luxuosa antessala da Comissão. Ambos agentes, ambos cientes que seriam interrogados acerca de uma missão que acabou em um banho de sangue, e que isso talvez lhes custasse bem mais que as carreiras. Havia um clique-claque em algum lugar, de algum relógio fora de vista, e nada mais, apenas o silêncio. Mônica ameaçou dizer algo, mas Weltman se levantou e foi falando:
— Eu… Destruí o CD com a gravação. Mas fora isso, vou cumprir meu dever lá dentro. E pedir meu afastamento da DCOR (1) imediatamente. É através do DCOR que mantenho minha ligação com os Dragões Vermelhos.
Ela ficou olhando para ele por um momento, e não soube o que dizer. Não obstante sua aparência tão jovial, Mônica estava viva há sessenta e nove anos e, apesar disso, não sabia o que dizer enquanto ele afirmava que iria embora. Ficou então séria, não tinha vontade de sorrir, e deu de ombros. Se ele queria ir para o inferno, que fosse, disse com veemência para si mesma, na tentativa de se convencer que pensava de fato assim.
Então a ampla porta metálica da sala da Comissão se entreabriu, e um assistente pôs metade do corpo para fora. O jovem moço avaliou por um segundo a linda mulher sentada, cuja pele clara e os longos cabelos em tons castanhos profundos contrastavam sensualmente, e então olhou para o homem, dizendo:
— Agente Weltman? O senador Coriolano pede que o senhor entre primeiro.
Eduardo ajeitou a gravata de seu terno, e sem olhar para Mônica, fez um sinal impaciente para que o jovem auxiliar entrasse na frente, e entrou a seguir. Diante das costas largas do homem que iria enfrentar a temida Comissão agora, Mônica Alencar Deveraux deixou finalmente uma expressão triste tomar conta de seus grandes e belos olhos, e murmurou:
— Eu sei o que você vai fazer, seu idiota… Vai me salvar.
O depoimento a portas fechadas de Eduardo demorou cerca de duas horas. Então ele saiu, e passou por Mônica sem que trocassem uma palavra, mas mesmo sem olhar para trás, ela soube que ele havia parado no corredor e a olhava, as grossas sobrancelhas escuras vincadas de preocupação. Mônica sabia que era a agente mais destacada entre os Dragões, mas sabia também que era a mais controversa e a mais frágil diante da Comissão. Todos sabem que a Comissão tem ares de cordialidade e civilidade, mas que usa qualquer método para manter seus agentes na linha, e não raro julga pela morte dos agentes que acha perigosos para a instituição. E, sem a menor dúvida, Deveraux era a mais instável e perigosa peça atualmente em jogo.
— Boa noite, senhorita Deveraux. — Disse o senador Coriolano calmamente, enquanto retirava de uma pequena pasta alguns documentos, e um tablet, e os colocava sobre a mesa de ébano espelhado que estava a sua frente, entre ele e a aparentemente jovem agente. Ele não olhou para ela, que se sentava na cadeira solitária que ficava no centro do salão. Em frente a ela, feito juízes da vida ou da morte, os sete membros atuais da Comissão. Todos impassíveis, feito estacas afiadas apontadas para Mônica. Como a agente não respondesse, o senador ergueu o olhar aquilino, e repetiu com sua voz grave e soturna: — Boa noite, senhorita Deveraux…
— Boa noite. Aquilo ali no canto é um emissor laser?
— Sim, Deveraux. É uma solda laser industrial especialmente adaptada para emitir um único e intenso disparo, capaz de carbonizar você. A cerca de três metros em volta de sua cadeira há um campo invisível detector de movimentos. Se tentar se mover além deste perímetro, o laser vai mirar no seu corpo e disparar, tudo numa fração de segundo.
Mônica sorriu, sensual e fingindo-se divertida. Ela fitou o senador por debaixo de suas bem delineadas sobrancelhas, enquanto foi dizendo:
— Ah, mas para quê tudo isso? Eu sou apenas uma pobre menininha inocente. — E riu, um riso de menina mesmo. Pôde sentir os velhos se arrepiando de medo.
O senador desviou imediatamente os olhos dos de Mônica, e pigarreou incomodado, dizendo a seguir, ainda em seu tom monocórdio:
— Senhorita Deveraux, gostaríamos que nos fizesse um relato de suas atividades no desfecho da Operação Arani (2) onde a senhorita deveria apenas mandar um recado. — e ele frisou o termo, ela sabia, para que Deveraux lembrasse que eles possuíam o controle sobre a coleira dela. Seria uma coleira bem larga e folgada quando sua mãe, já bem idosa, e sua irmã, também muito velha, falecessem, pois talvez Mônica não ligasse tanto assim para filhos de sobrinhos. Talvez. A agente riu-se, com desprezo, e ele prosseguiu: — E acabou tomando para si a decisão sobre… Como deveria terminar aquela missão.
— Primeiro me diga o que Weltman disse.
— A senhorita veio aqui apenas responder…
— Senador. Eu vou lhe contar exatamente o que houve. Mas antes, olhe para mim…
Como Coriolano evitasse olhar para ela, Mônica respirou fundo, semicerrou os grandes olhos, concentrou-se em algo escuro dentro de si, e abriu a boca, falando com uma voz que era talvez a voz dos mortos, ou a voz inquietante do rumor assombrado de um oceano antigo, terrível e esquecido em algum recanto sombrio do Universo. Sua voz era um som apavorante, mas ao mesmo tempo hipnótico. Era um reverberar demoníaco, mas ao mesmo tempo belo, sua voz era tudo, menos humana, quando Mônica disse:
— Olhe para mim.
As gotas de suor começaram a brotar da testa do senador. Coriolano, o Coriolano Malvadeza ou o Sanguinário Gentil, como era chamado nos corredores do Senado, era um homem duro, firme e de grande poder, sua força de vontade era tremenda e notória, pois ele já fizera vergar presidentes, e mandara destruir mais vidas do que podia se recordar, ainda assim seu coração parecia querer rasgar o peito ao ouvir a terrível voz de comando daquela besta-fera em forma de mulher. Ele a odiava intensamente, nem sequer tentava esconder, mas como todos os outros da Comissão, devia saber que residia nela um trunfo de que não podiam dispor em seus planos para o futuro dos Dragões Vermelhos. Ela possuía um raro e genuíno dom sobrenatural. Até onde sabiam, nenhuma outra agência mundo afora possuía um ser como ela entre seus agentes.
— Olhe… Para… Mim.
Todos olharam para ela. Não havia um único par de olhos naquela sala e nas salas de vigilância, que monitoravam o lugar, que não tivesse se fixado na mulher alta, bonita e de aparência jovem e elegante, que estava sentada com sensual charme no meio da sala da Comissão. Mas por mais terrível e irresistível que fosse aquela voz horrenda e sedutora, Mônica não era onipotente, sua vontade não dominava completamente quem a ouvia, e vários guardas de segurança saíram das sombras nos cantos da sala, olhos vidrados nela, mas o instinto treinado os fazendo apontar diversos canos de fuzil direto para Deveraux. Coriolano, que olhava trêmulo de fúria bem diretamente para o olhar escarnecedor da agente, ergueu a mão, e os fuzis foram recolhidos, e ele, o senador, disse, num balbuciar quase selvagem:
— Weltman… Fez seu relatório… E disse que você não teve escolha senão entrar em conflito com todos, e que ele a ajudou a sair… E que você tentou ajudar a falecida agente Steiger, mas que os bandidos a esfaquearam… Figueiras está vivo e vai levar o aviso aos chefes dele… Agora, sua… Coisa… Diga como sobreviveu a tudo aquilo?
— Weltman pediu afastamento?
— Eu neguei.
— Sim… Sim… — Ela sorria — Na verdade o agente Weltman foi quem me conteve e me fez deixar Figueiras livre. Entenda, Coriolano, se me quer trabalhando para você, escreva no seu tablet aí, com suas mãozinhas nodosas, que Eduardo Araújo Weltman não é dispensável, ele…
— Como diabos você sobreviveu, porra?!!! — O grito salivante do senador foi tão súbito e violento, que Mônica se surpreendeu e calou-se, mas manteve o ar de zombaria que quarenta anos de treino lhe ensinaram a pôr no rosto quando queria se proteger do mundo. O senador tinha os olhos injetados e uma tal fúria que ela poderia jurar que ele também era, ou deveria ser um filho das trevas. Foi então que ela entendeu. Mônica olhou para ele longamente, enquanto Coriolano Malvadeza se recompunha e tomava das mãos de uma secretária um lenço e um copo de água. Em poucos momentos ele era novamente um homem elegante e sério, um político de carreira que se reelegeria vezes seguidas apoiado em seu carismático e paternal semblante e nas falcatruas políticas que sabia fazer como ninguém. Mas Mônica sabia muito bem o que ele desejava, e disse:
— Senador… Percebi algo muito interessante a seu respeito, e vou lhe contar. Você acha que eu sobrevivi aos tiros porque sou o que sou, e quer saber como eu o fiz. Pois o senhor deseja essa imortalidade, deseja ser como eu, não é? — E diante do olhar de asco contido e falso, e do silêncio muito esclarecedor de Coriolano, Mônica sorriu e disse, em sua ainda potente, mas agora bela e musical voz feminina, a sua voz natural: — Eu vou te contar então, senador do povo brasileiro, preste atenção que vou contar o que aconteceu naquela noite, mas não vou direto ao ponto, pois eu preciso deixar suas mentes atentas ao contexto. Era uma vez… Uma equipe da Polícia Federal que estava de campana na Bahia, vigiando de perto um político extremamente corrupto, o Deputado Antônio Bomeninno, há cerca de seis meses. No início objetivando apenas acumular provas contra ele para um eventual processo, se ele pisasse fora demais da linha demarcada pelo Governo. Mas os federais descobriram, quase sem querer, no meio do caminho, que algo muito grande estava sendo tramado por outro político, um tal Senador Figueiras, que era amante da mulher de Bomeninno, envolvendo propinas de milhões de dólares para manipulação de quem e como seriam feitos os softwares gerenciadores de novas versões das urnas eletrônicas no país.
— Sabemos de tudo isso…
— Avisei que não iria direto ao ponto, uma mulher precisa estabelecer contextos, Senador. — Aqui ela pausou com um sorriso entre falsamente simpático e verdadeiramente debochado — Bem, quando esta informação circulou pelos corredores da Federal, imediatamente os Dragões entraram em movimento, e encamparam a operação antes que a cúpula do Governo a mandasse para o limbo. Sabemos que é imprescindível para o bom funcionamento dos planos dos Dragões que os políticos corruptos que não estivessem nas mãos da organização fossem tirados do jogo. De modo que o que era apenas uma operação para acumular provas contra um ladrãozinho de quinta categoria, tornou-se um procedimento cirúrgico nosso, para extirpar outro bandido, de maior quilate. Para tanto os Dragões usaram o velho método de dar corda para que ele preparasse sua própria forca, então, quando ele buscou com intensidade contato com uma gigantesca empresa multinacional, os Dragões assumiram, infiltrando uma agente na negociação, chamada Érika Steiger, que para os gringos era uma especialista em negociações paralelas no Brasil, e para Figueiras, uma representante extra oficialmente contratada pela tal mega empresa. No fim das contas, para os Dragões, Érika deveria tirar o máximo de informação de Figueiras, e o deixar pronto para o abate. Mas não foi bem assim que tudo se desenrolou, os senhores sabem.
Ocorre que Steiger não enviava notícias há semanas, quando a Comissão mandou a equipe envolvida no caso preparar uma nova inserção de agente infiltrado na operação de Figueiras. Coriolano escolheu pessoalmente a agente especial Mônica Alencar Deveraux como a próxima infiltrada, e tomou a última mensagem de Érika como base para colocar Deveraux no esquema, pois Steiger afirmava que Figueiras procurava febrilmente um hacker que possuísse conhecimentos sobre os sistemas de segurança do Senado. Mônica foi treinada e instruída para saber quebrar os códigos de acesso, e lhe foi dado um hardware especial, uma chave, que a permitiria entrar no sistema do Senado brasileiro, e provar que era a hacker que Figueiras precisava. Mônica, indicada a um comparsa de Figueiras através de um contato também sob controle da Federal, conseguiu uma entrevista virtual com um representante do Senador, e provou ali ser capaz de ajudá-los, então deixou seu número de celular, e ficou aguardando o contato. Foram duas longas semanas em um hotel de luxo baiano aguardando o chamado. Ela, Mônica, se fazendo passar pela engenheira de software Carmem Luzia Rodrigues, a hacker Carmina, e Weltman junto com outros agentes dando-lhe cobertura, disfarçados como hóspedes do mesmo hotel.
Weltman já ouvira falar de Mônica, e já há muito tempo estava bastante curioso a respeito dela. Devia ter ouvido muitas das estranhas histórias que contavam acerca da agente sobrenatural, que lutava sozinha contra vários homens, que era uma mistura de lobisomem com curupira (3), e tinha voz de Iara (4) que congelava a alma. Eduardo havia sido policial civil no Rio de Janeiro, trabalhando na divisão de entorpecentes, teve que lidar com todo o tipo de monstros, alguns dos piores dentro da própria polícia. Não gostava de dizer-se corajoso, era antes disso capaz de respeitar profundamente seus oponentes, e por agir assim chegou mesmo a sobreviver em antros de violência e corrupção com a moral razoavelmente intacta. Era, sim, apesar do que dizia, um homem bom e corajoso, mesmo que um tanto embrutecido pela vida. Portanto, provavelmente não sentiu medo quando esbarrou com Mônica bebendo um drinque no bar do hotel, mas alguma profunda e respeitosa curiosidade. Mal tinha trocado meia dúzia de palavras formais com ela desde o início daquela operação, e aquela poderia ser a oportunidade de conhecê-la pessoalmente. Ela agitou a cabeleira escura, para jogar as mechas para trás, e deu nele uma olhada treinada, miúda e desdenhosa. Provavelmente Weltman a achou, naquele primeiro contato, uma mulher bonita, mas absolutamente normal. As aparências são enganadoras, na maioria das vezes, então o homem resolveu dar mais um passo, feito um gato curioso, e disse simplesmente:
— Boa noite.
— Posso arrastar você para o fundo do lago, agente… Iara, já deve ter ouvido falar… — murmurou ela, quase sem olhar para ele, bem baixinho, de modo que só ele pudesse ouvi-la. Sua boca pareceu divertir-se com as palavras, pois a imagem fugidia de um sorriso passou por ela enquanto falava.
— Gostaria de conhecer a pessoa por trás do rótulo. Posso? — Disse ele, incisivo, mas ainda assim mantendo um tom suave na voz, que deu a ela um pressentimento de que o atraente e charmoso agente poderia ser alguém que ela gostaria de conhecer melhor. Até aquele momento pretendia tratá-lo com a acidez arraigada com que tratava a todos, mas aquelas palavras duras, mas honestas, a fizeram mudar de ideia.
Ela ajeitou-se na cadeira alta do bar, fez um sinal para o barman que colocou uma nova taça de vinho sobre o tampo à sua frente, e ela se apressou a dizer: — Mais uma, por favor. — E voltando-se para Weltman: — Bebe um chadornay comigo, cavalheiro?
— Vinho? Sim, obrigado. — Disse Eduardo.
— Bem, mas que tal sentarmos em uma mesa e verificarmos o que pode ser feito acerca de rótulos, monsieur?
Ele aquiesceu, e ambos foram para uma mesa mais reservada. Mônica pediu e levou consigo a garrafa de vinho. A aparentemente jovem mulher pousou sobre a mesa a garrafa e uma pequena e provavelmente caríssima bolsa que trazia consigo à tira colo. Era um tanto fora de protocolo que, durante a missão, eles se falassem assim, mas Weltman precisava saciar sua curiosidade, e Mônica precisava se distrair durante aquela noite tão parada, conversando com alguém interessante.
— Sabe que Coriolano vai reclamar feito uma velha coroca quando souber que quebrou o protocolo vindo me dar o prazer de sua companhia, não sabe? — Disse ela com um sorriso jovial e leve. Ela parecia tremendamente descontraída, mais ainda assim Weltman podia perceber algo no olhar de Mônica que recendia a coisa antiga, pesada, como se ela tivesse visto mais coisas do que sua idade aparente permitiria, e que muitas dessas coisas tivessem sido bem ruins. O homem reconheceu um pouco do seu próprio olhar no dela.
— Respeito o velho, mas ele não está aqui. Ele que se dane, o Malvadeza. Vou tentar saber quem ele é outra hora. — E sorriram um para o outro, riso franco, enquanto se serviam de vinho. Então Weltman voltou a falar: — Pois bem, quem é você, Mônica?
Mônica ficou mirando Eduardo, como se estivesse estudando até que ponto o cara poderia aguentar a verdade, o que fez o homem sorrir para ela, um sorriso que muitos chamavam de sorriso canalha, mas que era apenas a franqueza nua da alma dele, dizendo "somos de carne e osso". A bela mulher colocou a taça em que bebia sobre a mesa, acompanhando o movimento com os olhos. Depois voltou a olhar para o homem na frente dela e, para total surpresa do sujeito, entoou, sorrindo delicadamente, em uma voz também delicada e docemente afinada:
— Talvez você não entenda, mas hoje eu vou lhe mostrar. Eu sou a luz das estrelas. Eu sou a cor do luar. Eu sou as coisas da vida. Eu sou o medo de amar. Eu sou o medo do fraco. A força da imaginação. O blefe do jogador. Eu sou, eu fui, eu vou… — e concluiu, apenas recitando a letra, e não mais cantando, sem sorrir, na verdade com um tom taciturno no olhar: — Eu sou a beira do abismo…
E então, mudando novamente, agora com a expressão mais pura e delicada no olhar antigo, Mônica baixou os olhos, e ficou observando, sem ver, a taça de vinho quase extinto.
Depois de um longo momento fitando a garota, Weltman voltou a respirar. Ele não sabia o que dizer. Não fora ali paquerar Mônica, seu objetivo não era tão primário assim, embora ela o estivesse atraindo mais e mais, mas antes queria conhecer a tal super agente, coisa necessária se iriam operar profissionalmente juntos. Ocorre que ela o estava encantando, depressa, e ele acabara de descobrir que não sabia o que fazer quanto a isso.
— Bonito. — Ele disse, enfim.
— Apenas o Raul, sujeitinho doido, mas muito legal.
— Fala com intimidade, é fã do trabalho do cara?
— Não, eu o conheci pessoalmente, e avisei a ele que aquela história de "Grã Ordem Kavernista" ia lhe custar o emprego. — Ela deu uma piscadela e riu, Eduardo riu também.
Ele, encarando o bom humor dela como uma piada sobre ter convivido e aconselhado um artista morto quando ela ainda deveria ser um bebê, e meio sem se aperceber o que ele próprio estava fazendo, mas agindo simplesmente porque precisava agir, pegou ambas as mãos dela nas suas próprias, por sobre a mesa, e ficaram se olhando longamente. Então Mônica disse:
— Você não quer fazer isso. Eu sou a beira do abismo, lembra?
— Quando entramos para os Dragões, eles nos dão as fichas das pessoas que vão trabalhar em nossa equipe, e a sua era vaga, quase incompreensível, como se você tivesse uma liberdade especial de colocar ali o que quisesse. Encontrei apenas alguns poemas escritos por você, e uma foto sua… Nunca vi aquilo. Eu confesso que reclamei com o cadastro, e eles me disseram que o Malvadeza em pessoa mandou deixar como estava.
— Ah! — Fez ela, repetindo sem perceber o lindo e singelo sorriso de moleca da tal fotografia, e, claro, tangenciando o assunto a respeito das liberdades especiais dela — Sei qual é. A foto. Ah, fui pega totalmente de surpresa naquela foto!
— Estava encantadora, mas o que me impressionou ainda mais foram seus pensamentos… Os poemas, reclamei mas li. Durante o período de adaptação, eu treinei com homens que já haviam trabalhado contigo, e eles falavam a respeito de uma mulher corajosa, que eles respeitavam, mas que temiam muito, eu podia ver o receio deles nas entrelinhas, eles não tinham só medo, tinham verdadeiro pavor de você. E eu dizia pra mim mesmo que aquilo não tinha nada haver com a mulher dos poemas. Então achei que eu gostaria de conhecer a verdadeira Mônica, com a qual finalmente eu vou trabalhar.
— Ninguém conhece.
— Eu desejo honestamente conhecer. A verdadeira. — E ele ficou olhando para ela, que lhe devolvia um olhar doce, a coisa antiga em seus olhos parecendo arrefecer, se fazer menina, uma menina que sonhava, como todas as meninas sonham.
Então, sem resistir mais nem um segundo, Weltman inclinou-se em direção dela. E a beijou. Um beijo em crescente, um beijo que começou brando, mas tomou ares de tempestade, como se um devorasse a boca do outro! Doçura, vinho, e hálitos saborosos e passionais misturando-se, em uma sensação formigante e inebriante que lhes tomava os corpos, aquecendo-os e atiçando a fome de quero mais e mais! A tempestade deu lugar a suavidade, e voltou a rugir, duas, três vezes, e ninguém estava contando mais depois disto. Quando, enfim e depois de longo e marcante beijo, o fôlego se acabou (mesmo que o ardor só estivesse começando) abraçaram-se, aconchegando-se um ao outro. Então Mônica, que pousou a cabeça no ombro do homem, pôde sentir o odor masculino dele, penetrante e atraente, um cheiro muito bom, excitante, quente, muito quente, que a envolvia numa sensação incrível de liberdade e submissão ao mesmo tempo, de segurança… Mas também, após um momento de inocência ardorosa, que passou rápido demais, Mônica pôde sentir a pulsação hipnótica e acelerada do sangue teso e passional de Weltman na jugular do pescoço dele, podia mesmo sentir-lhe o gosto exalando da pele.
Quando ela deu por si, percebeu que ansiava por beber da vida dele, e que o predador voraz dentro dela começava a vibrar, inflamando-se! Mônica, imediatamente, soube que ela não deveria e não poderia fazer aquilo, que não poderia sequer arriscar se apaixonar por ele, não poderia jamais amar de novo, e matar de novo! Foi neste instante que ela se desesperou, mais uma vez, com sua sina monstruosa: quando foi engolida pelas trevas, quando voltou do mundo das sombras e do ar, há mais de quarenta anos atrás, Deveraux passou a viver o estigma de sua fome medonha, capaz de matar quem lhe era indiferente, quem ela temia, mas também quem ela amava. Mônica sentiu crescer o angustiante horror de si mesma em seu coração! Subitamente levantou-se, apavorada e enojada de si mesma! A cadeira em que ela havia sentado caindo para trás, com estardalhaço, e os olhos de Weltman tentando entender o por quê daquele rompante. Ela sabia o que precisava dizer, e disse, não muito alto, mas com intensidade cortante:
— Já descobriu o gosto que eu tenho? Pode dizer aos outros rapazes que sou de carne e osso, pois deve ter apostado com eles que iria vir aqui me dar um pega e ver qual é, não foi?
— Eu não…
— Ah, me poupa, Weltman, você vai me dizer que é um cara que não julga as pessoas? Que não vai me crucificar também assim que descobrir o monstro que eu sou. Pois escreve aí, agente Eduardo… — Em seguida ela cantarolou novamente a música, com afinação, mas também com ácida ironia na voz: — Eu sou o sangue no olhar do vampiro.
E ela sorriu com um falso deboche, e saiu caminhando para longe com elegância, deixando o homem atrás de si entendendo muito pouco, e aborrecido por ter sido julgado sem direito a defender-se, e ainda mais contrafeito por causa da impressão de que ela brincou com ele durante aquele beijo. Em essência sendo um homem tímido, quando se tratava de relações, ele se sentiu um completo idiota, envergonhado por, pela primeira vez desde a juventude, se deixar levar por um momento bobo e passional, e embaraçar-se daquele modo com uma colega de trabalho. Pior ainda se sentia quando, olhando para dentro de si mesmo, percebia que a mulher não deixara nele uma impressão passageira.
Somente quando Mônica, por sua vez, entrou no elevador, e se viu absolutamente sozinha, foi que se permitiu chorar. Chorar por, há mais de quarenta anos, estar morta. Sentia-se e transpirava solidão, uma solidão que nenhum ser humano seria capaz de experimentar, enquanto humano. A mulher apoiou as costas no espelhado interior do elevador, e, torcendo para que ninguém entrasse (o que, dado seu estado e sua natureza sombria, afastaria mesmo qualquer um que não tivesse um motivo de vida ou morte, ou que possuísse força de vontade sobre-humana), olhou para o alto, como buscando um Deus que ela, sinceramente, almejava existir, e deixou lágrimas ardentemente dolorosas escorrerem-lhe pelas faces suaves.
Justo naquele instante seu celular chamou, com mensagem de Figueiras, marcando encontro com ela para a noite seguinte.
CONTINUA…
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Arani: do Tupi Guarani, significa "tempo furioso".
Curupira: Ser da mitologia brasileira que protege os animais e florestas, que protege os tesouros do Brasil.
Notas de Rodapé:
Iara: Outra criatura da mitologia brasileira, também conhecida como Mãe D'água, espírito de incrível beleza feminina, que atrai os incautos para afogarem-se nas águas de lagoas assombradas por ela.
Trecho do livro (incrível!) “Manual de Animação” de Richard Williams, considerada obra essencial para a arte da animação.
Conhecemos, eu e Bia, o livro na penúltima Bienal. Comprado mais ou menos na mesma epoca em que iniciei o curso de Toon Boom Harmony, terminado recentemente.
Na medida do possível vamos pondo um frame diante do outro, até chegar lá!
Apareceu primeiro no: Instagram
ATENÇÃO: Isto é um fanfiction, escrito para servir como crítica de cinema, e não como roteiro comercial, ou seja, sem fins lucrativos. Sugiro que se veja primeiro o filme, e depois se leia o fanfiction, ou melhor, o fansrev (acrônimo de Fan Screenplay Review, ou Revisão de Roteiro Por Um Fã) abaixo. _ Wagner RMS.
A missão International Space Committee - ISC - Aurora é um esforço internacional de exploração do Sistema Solar, e é composta por (a) veículo (sonda Aurora) que deveria executar sondagens e pesquisas por toda a área próxima a Marte, incluindo asteróides cruzadores da órbita do planeta vermelho; (b) três equipes de pouso, que deveriam se revesar por cerca de 24 meses, na construção de bases fixas na superfície de Marte, em suas luas e, se possível, em um dos asteróides visados, e explorar todos estes alvos. A transcrição de gravação abaixo, editada para sua conveniência, seria a versão final do que aconteceu com a equipe de pouso Aurora 2, em seus últimos dias na superfície de Marte antes de serem recolhidos pela sonda Aurora, conforme descrito por Vicente Campos, Oficial Comandante e Engenheiro de Sistemas da missão. A divulgação total ou parcial deste conteúdo é passível de prisão, multa e confisco de bens.
GRAVAÇÃO DE RAIO ZULU 7524 CONECTADO, INÍCIO DA TRANSMISSÃO.
Eu tenho cerca de quinze a trinta minutos.
(Um pouco de estática enquanto a antena se alinhava)
Vou resumir tudo. E torcer pro Aurora Lander não reentrar antes do fim.
(Silêncio)
Na verdade, eu não sei ao certo... Não sei ao certo por onde começo.
(Silêncio)
Sim, ah, merda, óbvio, ok... Vou morrer aqui, daí, desculpem, mas não dá pra ser muito delicado.
Então… Na verdade, a situação começou bem antes de nós, quando a primeira equipe de solo construiu e habitou a Base Tantalus. Imagino que já tenham entendido do que eu estou falando, Marko Young, o biólogo que desapareceu. Nenhum corpo, nenhum vestígio, os demônios de areia, essas tempestades que riscam Tantalus, elas enterraram os restos do azarado, depois de algum defeito no traje. Quem mandou andar sozinho? Mas o fato de o equipamento de perfuração e análise do cara ter ficado por lá, com o painel solar aberto, e emitindo de vez em quando dados e pings de localização, criou um clima meio sombrio, meio idiota entre nós, e surgiu o papo furado sobre ele ter encontrado algo… Bem, agora eu sei que é bem provável mesmo que o cara tenha encontrado algo. Lembro dele da Terra, nos treinamentos, texano, intragável, mas muito inteligente. Deve ter ido atrás de algo, sozinho. Vai ver para ficar somente para ele a glória da descoberta.
Encontrou e foi encontrado. O que o encontrou teve quase oito meses para, a bem da verdade, digerir e entender o cara. Digerir, espero, no sentido de metáfora.
Eu não posso me prolongar, então lá vai. Existe vida em Marte, e de algum modo ela é especializada em nós, ou é especializada em qualquer outra forma de vida, em estudar elas e sobreviver através delas, ficando especializada em nós por causa do Marko.
Vocês vão entender. Recebemos liberação para estudar a área onde Marko desapareceu, pela primeira vez em meses as tempestades ciclônicas deram um tempo, e alguém no Controle da Missão ficou curioso com a boataria em torno dos demônios de areia, e estava longe deles o suficiente para mandar os buchas de canhão aqui para averiguar.
Eu, Lane e Dalby fomos destacados por Brunel para resgatar o equipamento de Marko. Chegamos lá no Rover dois. Dalby ficou nele, enquanto eu e Lane… Deus, sinto falta de Lane… Eu e Lane subimos as rochas aplainadas e fomos triangulando, por triangulação unitária mesmo, já que mais uma vez os satélites estavam fora do ar, e, por sorte, depois de cerca de uma hora, encontramos os equipamentos do pobre astronauta perdido, estranhamente arrumados numa depressão, havendo lá, inclusive, um tablet que tinha sido meticulosamente desmontado. A noite estava caindo, e foi o pisca-pisca da luz da antena da sonda perfuratriz, na escuridão da fenda, o que nos atraiu e nos levou direto pra lá. O cabo de força serpenteava, para fora da depressão, e o painel solar estava ligado a ele, aberto e fixo no chão com estacas, os redemoinhos de areia só faziam limpar os painéis, sem arrancar, e era por isso que eles funcionaram sem parar. Comentei que aquilo não parecia o trabalho de um biólogo.
(Silêncio)
Estávamos há cerca de meia milha do Rover.
“Alguém está tentando entrar na câmara de compressão”, eu lembro até do tremor na voz dela. A base avisou que ninguém tinha nos seguido. Lane e eu corremos de volta. Dalby começou a entrar em pânico. Eu já estava gritando algo como “calma, Dalby, use o painel, trave a comporta!”, e ela dizendo “Eu travei! Quem é?! É algum tipo de pegadinha, Campos? Parem com isso! Estão me assustando! Eu travei, eu travei a comporta externa, mas quem tá aqui sabe o código de emergência!”, e ela começou a chorar e a gritar pedindo, depois implorando que parássemos com a brincadeira! Houve um barulho de descompressão, e nós, Lane e eu, tentamos correr mais rápido. Eu descobri no voo pra cá pra Marte como sou ruim para oxigenar artificialmente, daí então, correndo e berrando dentro de um traje pressurizado, meu CO2 atingiu o limite rapidamente, Lane continuou, disposta e ágil como sempre, mas eu tive que parar pra recuperar a porra do fôlego. Dalby já não gritava mais. Lane chegou lá primeiro, ela sempre foi a mais esforçada e rápida de nós todos.
(Silêncio)
Nunca mais encontramos Dalby, a nossa Dalby de doces olhos azuis.
(Silêncio. Vicente tosse)
Quanto consegui entrar no Rover, só Lane estava lá, parada.
Então ela apontou para o que ela tava olhando, e lembro que meu estômago revirou. Era o capacete de Dalby.
(Silêncio um pouco mais longo)
Procuramos por várias horas, aquela noite, até as baterias do Rover ficarem perigosamente baixas. Ninguém poderia ter certeza de que outra tempestade de areia não desabaria por ali. Mesmo assim pedimos permissão à Base Tantalus para ficarmos por lá. Estávamos em choque, ainda querendo que Dalby voltasse, de algum modo. Brunel fez bem em nos mandar de volta à base, estávamos nos pondo em perigo, e logo os ciclones de areia começaram a dançar por lá, na verdade em toda a região, seria um risco estúpido dormir no Rover.
A transmissão do Comandante para nós foi mais ou menos assim “quero que voltem antes de terem que esperar pelo sol para recarregar as baterias. Desculpa, gente, mas se não encontraram Dalby até agora, minha prioridade passa a ser a segurança de vocês dois” e mais ou menos aqui, nesta altura, houve interferência e uma voz diferente entrou na transmissão, dizendo algo tipo “tragam Aurora de volta”.
Foi apenas um instante, uma frase, mas gelou o sangue de todo mundo.
Lane brigou comigo, não aceitando, racionalizando aquilo, mas Brunel escutou, e tenho a impressão, pelo silêncio relutante dele, que o Comandante achou a mesma coisa que eu. Era a voz rouca e desleixada do texano que treinou com a gente na Terra. Brunel, depois de um tempo, achou que fosse vazamento da memória do diário de missão gravado. O sotaque interiorano e norte americano quase desaparecido, mas que merda, tenho certeza que era o Marko.
Nos reunimos com Brunel e os outros, na sala comum da Base Tantalus, pouco depois de nós chegarmos lá. Irwin tentou seus psicologismos em nós, Lane e eu. Eu estava muito nervoso, mas louco ainda não. Agora não sei, mas ali, naquele instante, eu tinha certeza que Irwin poderia ir se foder.
Contamos tudo de novo pro Brunel, pois viemos o caminho todo discutindo sobre o que aconteceu, e o Comandante orientou Harrington a solicitar instruções ao Controle da Missão, ou seja, vocês aí na Terra. Mal Harrington se sentou na console de comunicação, ele se virou para o sistema ao lado, aquela outra grande tela com as imagens das câmeras externas, chamando a gente para ver, tinha alguém lá fora, entre as rajadas de areia dava para ver alguém, o contorno muito confuso de um traje pressurizado. Um de nós, não lembro direito, talvez a Kim, que chegou por último à reunião, perguntou se não poderia ser a Dalby. Eu, que costumo ficar na minha, mandei calar a boca, Dalby tava morta. Kim Aldrich, mulher de pavio super curto, tava me dizendo para mandar minha mãe calar a boca, ou algo assim, quando Irwin, que havia chegado perto de Harrington e da tela das câmeras, deu um pulo para trás.
Outra sombra apareceu! Agora havia duas silhuetas lá fora.
Aquilo era insano pra gente! O pessoal da sonda Aurora ainda estava longe. Dalby tava sem oxigênio havia horas, e Marko havia meses. Mas não havia ninguém mais em Marte que pudesse estar lá fora, naquele momento! Ficamos como que paralisados, vendo as sombras bruxuleando, distorcidas pela areia, não nos mexemos mesmo quando essas sombras começaram a vir na nossa direção.
Brunel quebrou o silêncio, mandando Harrington enviar a mensagem para o Controle da Missão na Terra, e que ele entrasse em contato com a sonda Aurora. Neste instante percebi pelo canto de olho que a sonda Aurora estava manobrando para entrar em órbita. Foi a nossa última transmissão para vocês na Terra, antes desta aqui, vocês devem ter recebido uns oito minutos depois que Harrington enviou. Os visitantes levaram uns cinco minutos para chegar à nossa eclusa de ar. Um momento antes deles chegarem, quando Kim percebeu a trajetória e resmungou que eles estavam vindo direto pras eclusas de ar, eu agarrei o Comandante e disse que o que tava lá fora sabia os códigos de emergência, que mesmo que nós lacrássemos a comporta, eles iam conseguir entrar!
CONTINUA… Parte 2.
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